Monday, August 24, 2009

[IN]

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Não leio muito, nem tenho um bom repertório cultural, mas num trecho que li de Clarisse Lispector, ela me disse que o “não entender é mais vasto que o entender”... Eu havia entendido aquilo e achado algo bacana, muito profundo e tal, mas não com vastidão prática do não entender, apenas havia entendido. E ponto.

Hoje, por circunstância de estar só, e pensativo, acabei por entrar num pseudo-transe, num estado "IN"! Onde vetei as saídas do meu aparelho social. O "Out-put" ja não operava normalmente e eu não sentia culpa nem vontade de devolver ao mundo o que absorvia. Hoje, por um breve momento eu só recebi... Como se não existissem metáforas adequadas pra tanger o que eu sentia, como se nem todas as palavras ambíguas e diretas pudessem descrever... Não foi nada além, nada complexo, nem tampouco descritível. Num pedaço de rotina corrente, quebrei o movimento do meu corpo apressado e o embalo dos meus passos no caminho de volta ao escritório, parei numa esquina de uma praça e me limitei a observar, a receber tão somente.

Recebi a satisfeita solidão de um homem simples na praça, jogando ‘cebolitos’ as pombas, o amor e preocupação da mãe que levava o filho pela mão no cruzamento. O frio, as folhas caídas, o vento... O movimento de um mundo invisível e singular demais pra ser percebido na minha caminhada rotineira até o restaurante onde diariamente engulo qualquer comida.

Hoje eu só recebi as conversas alheias e engraçadas, mas não ri, nem agi, nem interagi. Meus olhos cerrados e fixos na pureza do tempo, minha mente processado tudo o que é não-pensável dentro do meu pensamento. Não evoquei em mim dúvidas, nem conflitos, eu apenas sinestesiei a solidão do homem das pombas como se ela fosse minha, a beleza da mãe com o filho como se pudesse gratificar meus olhos por dar a minha alma e ao meu corpo aquelas sensações. Nesses momentos é como se eu pudesse desaprender a falar, desverbalizar tudo que ebule dentro da minha alma, e é forte demais pra caber no corpo, semântico demais pra ser pensado, como que de fato desativando esse aparelho automático, esse ´alguém´ que eu me fiz, tentando pensar sem palavras.

Certa vez, li de um tal Fernando Pessoa, que "quem pensa é doente dos olhos..." e o hoje eu só queria agradecer meus olhos, agradecer a Deus por eles... Além do que o Pessoa pense, entendi que em certos momentos, pensar, com a intenção de deter o controle das sensações, e da alma, é estar doente de todos os sentidos! É talvez cauterizar a sensibilidade. Hoje eu não quis entender o que são as sensações, nem de onde elas vem... eu quis apenas tê-las em mim... Como quem olha pro mundo sem tentar entende-lo, como quem sente o frio sem procurar em se aquecer, como quem se deita nos braços da solidão pra falar com Deus sem pensar em português...

Hoje, dei férias pra minha razão e fui só sentidos... Fui o barulho do vento, o sabor de boca depois do almoço engolido. Fui as pombas, a confiança do filho e a preocupação sorrida da mãe, o pensamento perdido da secretaria atrasada, o cigarro rebelde do menino recém-futuro-frustrado. Fui a roupa rota e o orgulho rasgado do mendigo, a duvida do guardinha de carros, a simpatia prática da balconista, a educação não correspondida do funcionário quieto, a vaidade perseverante das rugas rosas de blush da senhora enfeitada. Fui um pouco do mundo, num instante tão breve quanto uma volta do almoço pro trabalho.

Era como se já não quisesse entender o que Deus pensava, mas como ele pensa! Eu já descrevi tantas coisas em orações bem elaboradas usando todo o poder da minha lexicalidade xucra, tentado abstrair em linguagem o meu mundo ideal pra um nível prático e entregar pensamentos mastigadinhos e fáceis pra quem já os conhecia antes que existissem... Céus! Que estupidez a minha! É como se eu duvidasse da capacidade do senhor da criação de conhecer a própria criação, de me conhecer além do meu conhecimento, como que querendo entender as coisas, julgá-las pelo meu crivo e pensar que isso era o suficiente...

Em que língua Deus pensa?

Hoje, me rendi ao não entender e entendi que as vezes o entendimento, não tem por necessidade, ser descrito, quiçá entendido. Estar ´in tune´ com Deus, é muitas vezes estar afinado com a criação, ser a criação, e essa sintonia reside na simplicidade do entender não pensando, como uma criança que sabe que esta segura no colo da mãe, sem sequer saber pensar. Ela não sabe nenhum sinônimo de -segurança-, ou em que classe gramatical está a palavra -confiança-, nem como se analisa sintaticamente o termo –amor incondicional-. Ela sabe apenas que está. Como está.

Hoje pude sentir a simplicidade serena de Deus com todos os meus sentidos. Como se nos meus olhos tateando as raízes fortes e brutas de uma árvore velha e percebendo a delicadeza segura com que suas folhas saboreavam o vento frio, Ele me dissesse algo como: “Está tudo bem...”. Quando pude carregar os litros e litros de água suspensos no mesmo ar que respirava, e entender o Seu “Eu estou no controle...”. Quando senti o peso do planeta reagindo contra os meus pés parados naquela esquina e imaginei que nada, além de ar, se interpõe entre meu corpo e as estrelas, e nisso ver Seu sorriso engraçadinho como quem diz com uma humildade descabida um “Sim! Eu sou grande mesmo...” Quando senti o suave carinho do vento nos meus cabelos e me ver livre, como se Ele me desse a entender um “Eu te fiz assim, livre como vento”.

Foi apenas sentido todo o desespero contido por correr atrás do vento, de todos os que passavam, olhando pra tudo e pra nada, sem notar o milagre que vivem e o contraste da alegria inocente e intocável com que um menino pobre esboçava uns passos de corrida atraz da mãe e do irmão menor, que eu percebi a expressão risonha e feliz de alguém que se precisasse dizer algo, diria: “Agora você já consegue me ‘ver’ mais!".

Durante meia hora de rotina quebrada, eu pude entender que o amor e a presença de Deus são maiores que o mundo e muito mais simples que qualquer entender. E isso já não cabe em mim, nem no esforço por tentar escrever esse texto...

Enquanto a rotina não me atropelou novamente no segundo período, com a voz urgente preocupada do meu chefe pedindo novos layouts, enquanto os risinhos convenientes e comentários fúteis não acionaram o meu módulo "papo de elevador", me obrigando a consertar aquele meu aparelho social quebrado, e trazer a tona aquele ‘eu’ que o mundo criou pra se relacionar, eu pude apenas parar, não entender e sentir...

Tão simples e somente, sentir...


(...)


Isaque Veríssimo, Agosto de 2009

2 comments:

... said...

Demais!!

prit said...

Parabéns!! PERFEITO O TEXTO...quero ter um momento sentir como esse viu!! ;) show!