Tuesday, January 11, 2011

Solidão, cachaça e gengibre




O gengibre engarrafado curte na cachaça tanto quanto a cachaça curte o gengibre.
Um é o contexto etílico, liquido, engarrafado em si mesmo e concentrado tanto quanto pode. Ardido a não poder ser mais. O outro é o fato isolado, elemento do sabor, o objeto de depuro, signo e significado.

A cachaça entra agressiva gengibre adentro roubando dele sua própria identidade. Se apropria do tal como uma ladra vazia de ser significante, fazendo jus a suas propriedades depurativas.
O gengibre curtindo na cachaça, não só se entrega, se dissolve e irreparavelmente se perde no meio liquido, como também absorve o meio num injusto escambo essencial.


Assim fica a cachaça meio-amarga de gengibre e gengibre meio-ardido de cachaça. Gengibre é gengibre e cachaça é cachaça, até quase não.

Pensar solidão como contexto é equivoco! Solidão não é cachaça...
...solidão é gengibre. É fato isolado. Elemento de dissabor. Objeto puro. Significante.

A solidão é minha, a cachaça sou eu! Tão liquido e concentrado quanto posso, curto meu gengibre depurando dele tudo quanto e onde meu humor ardido avança solidão adentro.
Curto a solidão engarrafada dentro e mim enquanto ela curte em mim absorvendo em si um tanto do que sou.

Assim, ficamos eu meio-amargo de solidão e a solidão meio-ardida de mim. 
Solidão é solidão, eu sou o que sou, até quase não.



Isaque Veríssimo


Thursday, September 9, 2010

Waffer

(...)




Chegou no escritório uns 15 minutos atrazado. Sentou com força na sua cadeira giratória com amortecedor, apertou o 'power' do computador e aguardou olhando fixamente pra tela ainda preta... Cumpriu seu processo automático de todas as manhãs úteis da mesma forma que seu computador cumpria o processo de inicialização. Olhou na pra tela como se olhasse pra dentro de si, com olhos fixos e estáticos como se o tempo da máquina fosse um lapso no tempo do universo.


Os dramas isolados que atravessou pela rua e todos os que encontrou ao abrir os olhos naquela manhã ainda se moviam por detraz do pano dos seus olhos parados, até serem despertados bruscamente pelo brilho ofuscante dos pixels cegando-o pra qualquer outro pensamento que não o trabalho.
Quando, depois de algum esforço pra relembrar e retomar os arquivos de ontem, abriu a gaveta com alguns papéis e porcarias, pegou um pacote de bolacha waffer, rasgou a fitinha vermelha com alguma dificuldade por não achar a pontinha, e resmungou em tom inaudível um "embalagem mal projetada do caramba!!". Colocou logo duas bolachas na boca... Enquanto mastigava, fuçando as pastas do sistema, caiu num outro devaneio breve...

Aquela bolacha tinha um gosto de... Açúcar... Açúcar e desespero...
O produto era tradicional, a mesma marca e o mesmo formato daquele que costumava comer quando menino, mas o gosto estava diferente. Aquela bolacha era pra ter gosto de infância, de sessão da tarde, de ansiedade. Era pra se quase poder sentir outra vez o cheiro do armário e toda a expectativa contida no pedido "mãe, pode abrir a bolacha????"

Com um pouco de força era possível lembrar das primeiras vezes em que alcançou sozinho a esfera de uma padaria pra gastar suas valiosíssimas notas de um real e toda sua 'grande responsabilidade' recém conferida com uma bolacha waffer pra comer sozinho sentando na calçada saboreando-a com o prazer da conquista... Mas dentro daquela sala fria de ar-condicionado, aquela mesma bolacha tinha sabor de açúcar tão somente... Açúcar com algumas notas de 'café da manhã' não tomado e auto-pressão pela barriga crescendo... A fitinha vermelha que antigamente era um grande impecílio ao seu tesouro, agora era nada além de um 'erro de projeto'.


Desde o momento que o despertador lhe apertou o 'power' naquela manhã, e assim, desde que a vida tornou o universo fascinante da padaria numa simples esquina do caminho. Desde que a bolacha perdeu o gosto de trofeu pra virar substituta meia-boca do café da manhã, seus dias apressaram-se por passar, já no alto de seus vinte e tantos anos, sentia-se como disperdiçando dias, como se vivendo em vão num esforço egoísta e vago por satisfação. Não que o quisesse assim, mas assim que vivia aquele dias...

Sua mesa era modesta, com algumas latinhas e porta-lapis, o equipamento que usava também, um monitor LCD de 17" e um PC com uma configuração básica. Não eram os 2 monitores de 22" que os funcionários da google usam, mas aquilo ainda lhe conferia algum orgulho, alguma nota de esperança por estar 'engajado' num bom emprego, na área em que havia estudado... Ao menos numa sala com ar condicionado, no segundo andar de um centro empresarial. "Não estou mais entregando jornais", pensava irônicamente... Já haviam passado a ansiedade do primeiro dia de estágio e o medo das responsabilidades novas, e sua mente só pensavam num posto maior, algo que lhe conferisse mais dignidade que a função de um pós-estagiário.


Seu dedo por vezes martelava repetidamente o botão do mouse, enquanto seus ombros se contraiam dado a pressão de alguns trabalhos e a má vontade do processador. O relogio no canto da tela era acessado por suas retinas impacientes quase que com a mesma frequência frenética que seu pé balançava sob a cadeira. O desejo de sair porta a fora era indissolúvel no meio de sua linha de pensamento. Tudo o que diariamente vinha desejando naquela hora do dia, era ver o "18:00" impresso no relógio e a deliciosa sensação de reapertar o power e desligar o mundo. Esse efeito anestésico de sair porta a fora e tomar o elevador, ainda que bom, atuava como um êxtase passageiro, pois mesmo sem querer, sabia que porta afora ainda teria que pegar um ônibus e se apertar entre muita gente pra ir pra faculdade se ralar mais um pouco nos estudos. Todo o orgulho que sua mesa lhe causava só era salvo pelo desejo de ser grande e por entender sua situação como um 'começo'. Aquele paradoxo era quase torturante.


Nos seus dias, ele era quase tudo o que a criança que ele foi sonhou em ser. Não tinha carro, mas ja dirigia com destreza. Não tinha namorada fixa, mas ja havia beijado na boca (entre outras coisa que não imaginava quando pequeno). Não se tornou piloto de avião, nem astro do rock, mas ja havia voado e também feito umas aulas de guitarra. Seus olhos não eram azuis, mas depois de alguns elogios sorridos já havia aprendido a gostar do seu próprio olhar escuro... Em termos quase todas as suas expectativas de minino haviam sido realizadas através do jovem que se tornou. Sua vida era boa, tinha hábitos saudáveis e bons relacionamentos. Mas ansiedade pelo futuro, por por viver dias com mais êxito lhe consumia, fazendo-o apostar de muitas coisas, de muito de sua fé simples e do seu próprio tempo. Seu desespero pelo futuro o fez perder não só o gosto da bolacha de 15 anos atraz, mas também o gosto dos dias...

é possível que ele talvez nunca volte a sentir o sabor da bolacha da infância. Da mesma forma que nos próximos 15 anos, ele se lembre de coisas corriqueiras como os primeiros flertes com a primeira namorada, como ansiedade ter uma mesa propria, um computador com seu nome no ambiente de rede de um escritório e a ansiedade das responsabiliades bréves com o mesmo sabor de conquista que tinha a bolacha de sua meninice, percebendo apenas que passou... Assim também, pode ser que mastigue apressado os dias do seu sedã novo com bancos de couro, de uma empresa no oitavo andar com seu nome e as grandes responsabilidades de um homen de negocios com a mesma sensação de nunca estar realizado.

Talvez ele só perceba que não viveu quando se der conta que a vida terminou. Quando não houver mais gosto nenhum, somando sua existência ao hall dos velhos ricos e frustrados que tanto povoam os infernos isolados e lojas caras em shopping centers de classe média. Talvez ele resgate as sensações boas de sua vida quando seu espirito for a única coisa que se movimente em seu corpo, e assim, perceba que seu êxito profissional e sua posição social lhe custou mais que apenas tempo e esforço... Que seu semblante duro e opaco já não amargava apenas o dia da garçonete jovem a quem distratava no café, mas também o sorriso de sua viuva e o calor de seus filhos já distantes...

Embora não perceba a maneira tensa que escreve a própria história, ainda na sua juventude, pode ser que ele abra os olhos pro universo, para as estrelas e pro mundo, e nisso perceba as pinceladas delicadas e sutís do criador de tudo, que compondo a pintura pictórica e constante da vida, também pincela seu corpo e seu tempo, que o mesmo vento que modela desertos e esculpe rochas também brinca com seus cabelos ainda firmes. Que o escuro misterioso do universo é semelhante em cor e aspecto ao negrume de seus olhos escuros, que refletindo as estrelas o tornam parte ativa dessa pintura, como uma tinta viva, feita de terra e calor... Que a mesma mágica estranha que equilibra o planeta em sua orbita esta contida em cada respiração apressada e curta de seus pulmões.


Que ele perceba que além do que ele pode fazer de sua vida e de seu nome, o que ele é, dentro do peito e da alma, seus valores e sua doação são o maior bem que ele pode construir. Que a sua vida se torna maior quando seus olhos enxergam além de sua mesa, de seu espaço escasso no ônibus e seu futuro proeminente... Pode ser que ele não se esqueça de como fazer amigos e de contar pra eles sobre seu computador, suas mazelas e conquistas. De como olhar pro ar-condicionado, pra sua mesa modesta e pra suas tarefas bobas com ares de quem ja venceu uma faze, embora queira continuar jogando...

Pode ser que suas escolhas deixem que sua vida o mate, como pode ser que ele feche os olhos e sinta o gosto de uma bolacha mastigada lenta e saborosamente, ouvindo o estalar crocante do trigo torrado duro e o esmaecer das camadas de chocolate derretendo em sua saliva, e assim imagine, mesmo que com certo esforço, o sabor de ser o menino da padaria crescido, de futuro sempre incerto, permitindo que esta seja a metáfora de como ele vive a vida.





(...)





Depois de inventar alguma desculpa pro seu chefe pelo seu atraso e se ralar mais nas tarefas daquele dia, as recém chegadas e tão esperadas 18h não apressaram seus passos como todos os dias. Movido por uma vontade estranha, ao invés de tomar o caminho do ponto de ônibus e pra faculdade, foi até uma padaria, dessas modernas que são meio restaurante, mas antes de pensar numa coxinha pra comer com a pressa já habituada, ele foi até a sessão de doces e pegou outro pacote de bolachas waffer...

Enquanto pagava com seu cartão de crédito, sua mente premeditava o calor da calçada de fim de tarde nas suas pernas...


Por um instante o universo sorriu.


(...)



Isaque Veríssimo

Thursday, April 15, 2010

Estátua

(...)




O esforço que fazem as notícias e o som da sala
por romper com qualquer reação a impassividade do meu rosto.

O trabalho que tem o mundo em movimento
por quebrar meu foco difuso,
por forçar os meus olhos estáticos a qualquer movimento.

A força bruta que a rotina exerce sobre mim
por me deixar mais operacional nessa segunda fria,
mais profissional e menos...



parado e...





distante.





De uma lembrança em 'slow-motion'
à agonia de uma esperança dissolvida.

Do instante de um sinal 'comum' de alegria corrente
até o longo infinito de outro sinal nenhum,
voltei pra um lugar que já conhecia de outras 'quartas cinzas',
mas que já quase não lembrava o endereço...

Cai nova e suavemente em mim...
Como quem cai em si sem perceber...

Cai em mim por que na torrente desses dias
abdiquei de mim pra ser de alguém.
Pela rasa e platônica possibilidade ser mais que só...

Como uma estatua que mesmo depois de calcinada,
crê que pode voltar-se outra vez em barro mole...

Como tal estátua a qual me moldei e me calcinei,
cai do pedestal no qual 'vivia' e me...


Quebrei.



A força que o externo exerce pra ajuntar meus pedaços,
pra concertar minha carapaça dura e opaca de homen comum,
é insultada pelos meus olhos fixos...
Tão contrária à doçura com que o som do piano melancólico
daquele compositor francês entende e abraça minha...


Alma...


Meu momento imovel...

...meu nada tão solene e frágil.


Essa força é tão absoluta em sua futilidade necessária.
Tão cruel na sua peculiar ironia crônica e azeda,
que parece urrar como um leão contra minha insistência...




Estática.




Mas esse urro de vida, já quase não me afeta.

Essa força da rotina já quase não me move...

Essa paralisia já quase não é minha....


Já...

'Quase'

não.





(...)


I.V.



Soundtrack:
Point zero / Yann Tiersen (Tabarly)

Monday, March 29, 2010

Autumn Day

(...)




Rising leaves

dancing with Wind

a spiritual earthly moment
lovely feelings...

Sensations of God
like some piece of the day
when we´ll be near…

[...breathing]

I´m the wind

I´m a leaf dancing with Him...




(...)

Tuesday, November 3, 2009

A cidade e o caos

(...)


A moldura preta da janela fez da cidade ao fundo um quadro
de formas duras com cores sólidas e opacas
como se abstraindo do mundo apenas o caos
a fúria obliqua em suas quinas e sombras

Numa tarde, meus olhos tatearam o plano da janela
como se a cidade fosse plana naquela pintura
como se tudo se achatasse em uma só camada
como se o acidente de cores e quinas fosse acaso pintado

Quem pintaria tal caos se não meus olhos atrás do vidro?
Meus olhos imóveis que alcançam a distancia além do vidro
viram no vidro a cidade e a cidade pintada no vidro

Minha mente que recebia a visão já não a conhecia como antes
pintava um quadro como se fosse caos
entendia a imagem como se o vidro fosse espelho.


(...)



Isaque Veríssimo

Aniversário

(...)



“Tic-tac-tic-tac” Molas, pêndulos e a fantástica noção do tempo além de sombras e sois.
A cronologia que inventamos parece que se voltou contra nós, tentamos domar o tempo que era livre, que selvagem corria pelos cantos e se escondia atrás de sorrisos, que nos libertava de compreendê-lo e que por fim, nos domou como resposta.
Hoje vivemos em função dele. O sol nascente e o poente que anunciavam o começo e o fim do dia, hoje são cinco e meia da manhã e seis da tarde. Hoje é o “bip-bip” do despertador e a sirene de saída...

...Dez pra seis, meia noite e meia, vinte e cinco anos, vinte quatro primaveras, meia vida contada, um quarto de século e uma história. Uma fração sentida e percebida de uma era.
O tempo que tanto confundiu sábios e inspirou poetas, hoje aflige que se da conta dele.

E se nunca tivéssemos matematisado o tempo?, se nossa cronologia jamais tivesse existido e a conta das primaveras que vivemos fosse descontada por distração?
Que idade teríamos? Como uma geração que cresse sem perceber que envelhece, sem ver fotos, apenas se dando conta das novas dimensões e situações. Se talvez nunca houvéssemos tentado domar o tempo, ele não se mostraria e nem nos afligiria. Nem seria sexta feira, nem seria dezembro de dois mil e tantas e nem perceberíamos a areia por entre os dedos correr tão depressa.

A sensação é que o “tic-tac” do relógio alimenta o monstro debaixo da cama que cresse forte no passo que crêssemos. E não a tempo de encarar, nem há tempo de fugir.

O senhor da razão, o melhor remédio, o vilão assassino de sonhos, o anel precioso perdido na estrada, as marcas nas pedras, as voltas em volta do sol e volta completa do ponteiro menor. O tempo que passa, passa, e sempre vai passar, cronometrem os relógios ou não, disfarcem os sorrisos ou não, nos cabe passar com ele no passo da vida.

Do mais, tudo passa.


(...)

Isaque Veríssimo

Monday, September 7, 2009

Clima!

(...)

O dia em cinza denso!

As nuvens carregadas

de água, medo e paz!

Quebram certeza incerta do firmamento visível

Lembram quase que sem querer

que o céu tão seguramente azul,

é só ilusão de ótica

que nem mesmo o sol é amarelo

muito menos que a noite é de fato preta.


(...)

Isaque Veríssimo